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Desfiar


Esses são os últimos resquícios
Do inverno que se passou,
Outras bocas são esperadas
Com o ardor e a demora de uns segundos já esquecidos
Esses da tv desligada à meia luz de um quarto inabitado
Desabito a espera dos segundos e minutos
Para me encontrar contigo
Só não lembro o final do filme
Pois este já não me interessa.
Vira o resquício de outro inverno
Que haverá de passar.

 
Nara C.
Novembro de 2012
Ano das orquídeas amarelas

Querência

Na saudade a lembrança transpira o odor do reencontro.
Respingo a indecência de meu ser ainda cru
na doce incerteza de tua querência.

Nara C.

Os ventos de Palmares

Os ventos de Palmares me deram de presente um sorriso.
riso de menino crescido
de alma cor de aventura

Ri menino em Palmares
canta o teu riso em teus olhos
que os meus já obstinados
reclamam pertencimento:
serão para sempre teus!

Nara C.
Assentamento Palmares, Junho de 2012

ao florista

flor que desabrocha em meio aos dissabores de meu ego.
rego-te com um destempero impróprio.
coisa de quem ama
mas não sabe por onde
nem por quê.

Nara C.
Marabá, Junho de 2012

O tempo e suas impressões

Em tempos como o de hoje, tornei-me senhora muito cedo. Talvez a cara encardida, decorrente de agrura, decepções e vícios, talvez do tempo mesmo, esse que me concedeu já quase três décadas.
Vejo fotografias que vão se apagando com o tempo, por desgaste ou por curta memória. Doses certas, lícitas.
Ofereço minha prolixidade a um mendigo, falo das fotografias e ele denota mais conhecimento que eu. Não das fotografias, mas da história delas.
Balbucio um simpático inglês e me despeço.
Ele, de origem britânica, veio mendigar no Brasil, maneira arbitrária de viver, ou como alguns diriam, estupidez mesmo.
Mas eis que me torno senhora, até para o mendigo que se vira, depois de um terço de prosa e me pede um cigarro, ofereço-lhe com a condição de que não me chame mais de senhora. Tolice. Já me tornei faz tempo.
Para o mendigo apenas significava cortesia, mas para muitos e para o espelho, eu sabia, se tratava do tempo mesmo. Esse que não mede esforços e se joga por cima, arrasta e escangalhota a elasticidade da pele.
Sonhos também vão ficando maduros, continuam os mesmos, mas carregam agora a seriedade das coisas e do chamado tempo.
Tempo que me fez ser senhora aos vinte. Eu, que nem ao menos tive a patente de senhora de um senhor.
Páro e dou meia volta, estendo a mão pro mendigo e volto a balbuciar um inglês medíocre. Ele nada diz apenas ri. Acendo um cigarro e ficamos ali, apenas exalando o tempo que não se resignava em saber de nós.

Nara C.
13/2/12

Metamorfose

Hoje o dia propiciou o contato com uma intensa vontade de viver. A chuva a borbulhar os canais da rua estreita e pequenina do meu coração, denotavam um endorfinamento em minhas vísceras. Sinto-me metamorfose de mim mesma.
Volto a olhar a foto, como um presente que embrulho e desembrulho ao meu intento. Páginas de um livro que desejo ler.

Nara C.
25.01.12

Sobre abastração e seus derivados

O primeiro pensamento do dia foi esquecer, depois um passeio pelo centro para tentar lembrar o que.
Flores amarelas pela calçada.
paro no sinal e compro o jornal do dia, hábito incomum que adquiri aos 26, o que não faz muito tempo; uma semana eu diria.
Folheio desatenta o noticiário que em nada me afeta, exceto pelo horóscopo diário que nunca diz o que espero. Dinheiro pouco, amor em breve, saúde frágil. Quem inventou a astrologia devia ser um filha da puta rico que vivia do pessimismo alheio.
Urgencio-me em ultrapassar o sinal amarelo, ouço qualquer música para abstrair-me do tempo. São quase 4horas e eu desejava um dia mais prolongado.
Resta pouco, sempre resta pouco para o meu intento. Desço a orla, para mais um deleite solitário. Fuga incerta. Logo vejo rostos conhecidos, esquivo-me de reconhecimentos e continuo a procurar um abrigo insólito. Na busca volto pra casa e o primeiro pensamento torna-se o ultimo, alinhar os desalinhos que provocam minha mente insone. O dia se prolonga em imagens, materializando-se nas flores amarelas das calçadas que nunca saberei se existiram.

Nara C.
18/1/12

A alma do poeta está ferida

A alma do poeta está ferida
Sangra um vermelho colorido.
Seu riso esconde astúcia
Seu peito abrupto
Copiosamente exala amor
Mas ele chora...
Pelas feridas
Pelo suor que maltrata a fonte.
Pela esperança que esporádica visita a noite.
E ele enxuga seu suor e sangue com uma tolha úmida de dignidade
e corre madrugada afora pelas salas intransitáveis do ser.


Nara C.
Outubro, 2011

Verossimilhança

O tempo frio adorna um coração amado,
Tempera a demora com um gostinho
Prolongado de aventura.
Um arrepio na espinha,
prova concreta de que o desejo
Permanece sólido.
Frenesi à queima-roupa.
Pensamento rápido de pertencer-te...
Desejo quente de beijar-te a boca.

Nara C.
inverno de 2011

Libélula - Para um querubim pretéríssimo

Doce, leve e voraz
permanente em sua brevidade
sobrevoa as intempéries da brisa
e parte
sempre parte
ao alvorecer.

Nara C.