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Discórdia
quase encardida
é essa do meu ventre
alvitre
que espalha
sem ter chão
amor aos quatro cantos
do vento.

Nara C.

in memorian

Nos pés de cupu-açú
Jaz uma raiz de outono
Permeada de lembranças dele
Meu bom e saudoso avô

Rosas e margaridas
Risos e plantações
Era terno o romper das horas
Em que se via um velhinho
Plantando um pé de caju.

Nara C.

Frida



Sou Frida Khalo à espera de Diego Rivera, com o mesmo terno e (ás vezes) passivo amor.
Olho para as primaveras de minha vida e vejo um futuro florido, tudo tem muita cor; mas como Frida não pinto em quadros minha vivência. Me faltam pincéis.

**

Crepúsculo


Ouço de longe o soluço
de uma saudade pétrea
Com imagens coloridas de um passado em preto e branco
Calor que se angustia e foge
pra longe do frio
foge.

Nara C.
A paixão é um dispositivo de auto destruição.
Me refiro aos desejos carnais obviamente; decerto que a paixão não seria de toda má, há sim o que se aproveite, mas na sua fórmula geral a paixão traz prejuízos incalculáveis ao coração.
Por outro lado viver requer sacrifícios e se doar é componente essencial disto.
Viver sem paixão seria o mesmo que inexistir. Alguém que não tem afeição pela vida vive mediocremente, sem motivação, sem alegria, sem a graça infinita de se sentir único.
Por muito tempo fiz de mim refém desse vício que embriaga e enlouquece. Priorizei ao meu modo juvenil o bem estar do meu corpo e assim esqueci que meu espírito precisava também se alimentar. Este desequilíbrio me levou por um tempo à uma falência emocional; mas depois me reconstitui, montei amiúde todos os pedaços que estavam soltos dentro de mim. Levei um tempo de fato, mas logo me senti melhor, lúcida de minha fraqueza, feliz por voltar à vida sã.
Não demorou pra que eu me perdesse outra vez, bastou uma semana pra saber que seria pra sempre, mas que este pra sempre acabaria como o outro.
Enamorei-me dos meus atos tão logo o outro elogiasse. Vedei os olhos de modo que só a ele conseguia enxergar.
No topor das horas insanas, criei subterfúgios para inalterar a origem daquilo que eu era. Mas a influência era tamanha que descrente pus-me a sodomizar a minha dor.
Perdi o brio, alcancei o que pra mim era inaceitável, me tornei a outra metade latente em mim.
E agora só, ironizo a vida que não me foi permitida viver. Desdenho dela e de tantas outras que se apresentam.
Relembro rostos e vozes que por vezes amanhecem perto de mim. Os encaro, tento os reconhecer, mas inútil é o meu esforço. Meu corpo está presente, minha alma não... e percorro feito tonta as salas vazias da minha imaginação; não encontro o que perdi, pois sequer sei se perdi.
Vivo de momentos subversivos: vou, não vou; quero, não quero...e no fim cumpro mordaz a minha pena, sob a custódia fiel da companheira solidão.

Voraz

Os girrasóis na janela
proferem coisas indizíveis
Suas petálas embora frágeis
Ferem o casulo da borborleta que viria a ser

Ventania espalha o fogo
adentra à alma a solidão
E eu corro sóbria de desespero
pelo descampado mastro que é o teu corpo

Nara C.

Estação



Uma flor já meio velha
Vê o jardim catatônico
Cambaleia para o precipício
Tão logo o verão chegue

Nara C.

Inquietude

Réstias de luz passeiam céleres
Entre o espaço que compreende teu olhar
E a parede do meu ser

Respiram saudade
Abraços,
Olhares,
Razão comprimida, ais!

Lampejos de acasos flutuam submersos
À mercê de lembranças
Um respirar sufocado
Um encontro atrasado

A urgência que juvenil exala
O hálito fresco
Do “quero mais”

Nara C.

Subserviência


Meu ser guarda mágoa da constante ignorância do que em mim vive.
Me pego a remoer um querer insólito, absurdo, fantasiante.
Dilata em coro um desejo insano de auto-mutilação.
Desconheço a origem da minha dor
Me faz falta o inconstante. Quero o ontem, quero o não-querer, o mal querer; qualquer querer menos este querer.

Nara C.