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Despedida

O ontem quitou sua parcela,
fechou sua conta
e - Adeus, até mais!
Fiquei com a esperança,
irmã do receio
que o ontem
esqueceu de levar.

Despeço-me pois deste agora,
fecho a porta,
vou embora
e pro futuro: - tem alguém aí?

**

Sangria

Sangue representa vida. Mesmo ferida a vadia que prostitui suas emoções, sobe ao palco para proclamar sua estupidez, sua notável inferioridade. No fim do seu show, ela sai de cena para fazer o que de melhor sabe: se tranca no banheiro e se esmurra até sangrar!
Anestesiada não sente mais a dor de não ser, de não pertencer;
cai no chão arrependida, chora até não poder mais e adormece feito bicho na lama pôdre de sua vida.

**

Vício

Veneno doce e letal,
domina minha sede,
castiga minha vontade
e de graça oferece o próprio antídoto.

**

Origem

O repenique do triângulo avisa que a festa vai começar!
no esvoaçar das saias um presságio de que a noite vai ser longa. Chego mais cedo, não perco nenhum detalhe.
No canto um fogão de lenha e uma moringa já meio velha enfeita a sala abarrotada de simplicidade...
Aqueles quadros, aquelas saias... quanto paradoxo numa só cena.
Sento perto de um negro velho, que cansado acende um cigarro e balbucia qualquer coisa, aceno com a cabeça pra não encompridar estória. Ele quer prosear, está ali há muito tempo, desde a mocidade, diz.
Saio pro pátio.
O fogaréu esquenta os tamborins e promete animar ainda mais a noite. Chego pra perto e sinto a quentura espalhar pela minha face, sinto cheiro de carvão e penso em alguém, é por ele que estou ali.
A procura em vão somente me faz ter esperança de um passado perdido, sento no meio deles, deixo-me guiar pelo uivar da cantoria e fortalecida reconheço minha essência: é dali que venho e é pra onde vou.

**

Reticência

AMOR: uma flor que murcha com o silêncio e se abre com um sorriso.

(Nara C.)

Ser urbano

Figuras que antes preenchiam o álbum de fotografias foram com o tempo perdendo a cor entre os postais da vida. Aquele rosto que antes causava encanto, hoje mais denota espanto ante o calendário esquecido do tempo.
Enruga-me a alma tamanha mutação, esperava encontrar as antigas fotos, enxugar o acaso com palavras prontas e montar a sequência de histórias com cenas de filme americano.
Não deu! perderam a cor as fotografias, murchou de tédio o vaso e a sua flor.
E o rosto antes nítido e vivaz, mudou de endereço... na minha memória não mora mais.

***

Sutil

Na minha meninice percorri campos de girrasóis, saltei escadas coloridas e enfrentei chuva e vento sobre duas rodas.
Eu era o tempo e como tal não existia ilusão melhor do que pintar o céu da minha cor preferida.
Tímida não conhecia a diferença entre o ser e o estar. Acreditava no agora e isso era tudo o que possuía.
Eu era o tempo e sobre duas pernas desafiei Deus e o mundo.

Nara C.

** Imagem: moça da bicicleta - ana moraes

Aprendiz

Meu coração é feito neve
exposto ao sol, derrete horrores
e em tempo frio sem alteração permanece sólido
Um tanto frio, um tanto informe... acumula poeira e neve, estação após estação.
Algumas vezes se isola do tempo e vazio prefere a própria companhia.
Cultivo-o como quem varre folhas ao vento... elas vão, elas voltam
assim como este coração que fadado à sorte se prepara sempre para um novo vôo.

Nara C.
Nov/09