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A alma do poeta está ferida

A alma do poeta está ferida
Sangra um vermelho colorido.
Seu riso esconde astúcia
Seu peito abrupto
Copiosamente exala amor
Mas ele chora...
Pelas feridas
Pelo suor que maltrata a fonte.
Pela esperança que esporádica visita a noite.
E ele enxuga seu suor e sangue com uma tolha úmida de dignidade
e corre madrugada afora pelas salas intransitáveis do ser.


Nara C.
Outubro, 2011

Verossimilhança

O tempo frio adorna um coração amado,
Tempera a demora com um gostinho
Prolongado de aventura.
Um arrepio na espinha,
prova concreta de que o desejo
Permanece sólido.
Frenesi à queima-roupa.
Pensamento rápido de pertencer-te...
Desejo quente de beijar-te a boca.

Nara C.
inverno de 2011

Libélula - Para um querubim pretéríssimo

Doce, leve e voraz
permanente em sua brevidade
sobrevoa as intempéries da brisa
e parte
sempre parte
ao alvorecer.

Nara C.

Sobre o amor e seu predicado

O amor sempre achou uma brecha para se infiltrar em minha vida. Como o vento que se acha em qualquer situação ou espaço, como chuvinha fina de final de maio.
Amor, esse substantivo impróprio. Tão singular quanto o ar que se respira... veio no desbotar de uma tarde. E na sua demora de menos de uma noite, se infiltrou de vez em meio às minhas vestes, mesmo já tendo partido.

Nara C.

De se sentir carente

Carência é o nome que damos a um momento da vida que não nos bastamos.
Queremos a companhia de outro ser de espécie igual, geralmente com características peculiares as nossas.
Sentimos falta da presença humana, essa que só a intimidade permite, e desejamos o olhar que aprova, o riso que enternece, a mão que afaga, a fala que contesta...
As vezes basta que saibamos que alguém existe em nosso pensar de igual forma que existimos no seu. Basta que caibamos nos seus interesses suaves e nas suas horas de paz. Basta que a existência tenha permitido o encontro e basta que o momento lhe roube a carência que nem de longe oferece o bem que ele ou ela lhe traz.

Nara C.

Diário de um ipê

Os dias aqui parecem menores, como se uma hora somasse um terço do tempo normal, próprio de 60 minutos.
Sinto isso desde o primeiro dia, quando as percepções ainda eram opacas e o espelho era reflexo do medo e despreparo.
Tenho medo dessa rapidez com que as horas passam, quero aproveitar de tudo e lamento que isso não me baste. Tenho pressentido a descompensa dos anos, sinto que vou envelhecer mais cedo e a idéia de olhar o registro fica cada dia menos atraente.
Não que isso tenha já em si, se tornado um fardo, mas o romper das horas em que sozinha me abasteço do mundo, das cores e do tempo, subtrai-se em mim a alegria dos que vão vivendo um minuto por vez, consumidos pelo êxtase e agonia de lhe estarem roubando a todo o tempo um bem precioso que jamais será compensado ou substituído.

Nara C.

Invólucro

Do que tenho medo?
Em parte penso que não sei. Mas acho que temo o excesso, o exagero, o absoluto que em toda sua proporção sempre pode prejudicar.
Tenho medo da dor. A que neutraliza, fere, mata. 
Temo o abandono, este seguido da dor.
Temo a escuridão sem companhia, porque esta assusta se se está só. 
Temo a insanidade, o dúbio e o nada, por que estes andam muito lado a lado e em todo caso desola a alma, causando a perda dos sentidos e o vazio completo.
Temo o descaminho, pois a estrada sempre me foi chave segura de prisões interiores e o caminhar, a razão certa nas decisões incertas.
Temo as perdas, estas que não se reparam, que não se consertam e nem se costuram, temo antes de tudo não adaptar-me a elas.
Temo o desconsolo, a tristeza mesmo no seu grau mais leve, pois esta vem a despertar minh´alma de seu sonnho perene de alegria.
Temo a mágoa, esta que se vira dos dois lados e tanto pode fazer-me quanto causar a vítima.
Temo o destempero que pode causar o pavor e virar reles cinza de um tocha incendiada de sandice.
Temo a decepção, a agonia que estampa os outdoors do ser e que não se desprega tão facilmente.
Temo a ilusão, pois ela apenas me acena de longe e eu não sei ao certo o que vai me propor, por isso mantenho-me de longe, temerosa de que depois de iludir-me venha a adquirir outras certas fobias.

Nara C.
Ipês, 27/2/11

amiúde

Sonho triste com a espera
do dia que nunca vem.
O tempo parece infecundo,
o amor me parece imundo
e mudar eis a única chance de
me refazer.
Tive sonhos outrora,
sonhos iguais aos de amanhã;
nos olhos tive esperança
e no pensar uma lembrança
de que tudo fosse igual.
Igual a espera vencida,
que nunca depois da partida, 
do amor possa me arrepender.

Nara C.

Dedicatoriando

A ti meu vestido amarelo
a ti minha cara lavada
a ti o meu corpo em balanço
a ti meu desejo,
minhas vestes,
minha fala
a ti, relógio disfarçado de tempo
minha vida
disfarçada de sonhos.

Nara C,
23/1/11

Antagonismo

Há na alegria o desespero de um poeta
que por brio ou precisão ampara seu riso em meio ao descaso.
Há no prazer um misto de desconforto e morte,
mas é a isso que dão o nome de gozo.
Há na compaixão o tempero fundamental para a sorte do convívio,
sem ela o prazer e a alegria recebem nomes diversos e podem até confundir.

De alho a bugalho, o caminho é longo.



Nara C.
16/1/11

Logro

No mundo das aparências
entende-se que o engano
é o princípio do auto desconhecimento;
engana-se mais a si, do que
o outro que vos ouve.

Nara C.

Razão inconfessa

Metade de mim se encontra à beira de um precipício, esperando a outra metade jogar-se para juntar-se a ela.
Parte de mim junta seres adoráveis, tato, olfato e afins,
numa redoma de sonhos possíveis.
A outra metade que digo, ouve calada os sons do exterior. Observa, pesa, pondera... é sensitiva, é racional, mas ainda assim espera a outra metade jogar-se ao precipício para juntar-se a ela.

Nara C.