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O tempo e suas impressões

Em tempos como o de hoje, tornei-me senhora muito cedo. Talvez a cara encardida, decorrente de agrura, decepções e vícios, talvez do tempo mesmo, esse que me concedeu já quase três décadas.
Vejo fotografias que vão se apagando com o tempo, por desgaste ou por curta memória. Doses certas, lícitas.
Ofereço minha prolixidade a um mendigo, falo das fotografias e ele denota mais conhecimento que eu. Não das fotografias, mas da história delas.
Balbucio um simpático inglês e me despeço.
Ele, de origem britânica, veio mendigar no Brasil, maneira arbitrária de viver, ou como alguns diriam, estupidez mesmo.
Mas eis que me torno senhora, até para o mendigo que se vira, depois de um terço de prosa e me pede um cigarro, ofereço-lhe com a condição de que não me chame mais de senhora. Tolice. Já me tornei faz tempo.
Para o mendigo apenas significava cortesia, mas para muitos e para o espelho, eu sabia, se tratava do tempo mesmo. Esse que não mede esforços e se joga por cima, arrasta e escangalhota a elasticidade da pele.
Sonhos também vão ficando maduros, continuam os mesmos, mas carregam agora a seriedade das coisas e do chamado tempo.
Tempo que me fez ser senhora aos vinte. Eu, que nem ao menos tive a patente de senhora de um senhor.
Páro e dou meia volta, estendo a mão pro mendigo e volto a balbuciar um inglês medíocre. Ele nada diz apenas ri. Acendo um cigarro e ficamos ali, apenas exalando o tempo que não se resignava em saber de nós.

Nara C.
13/2/12