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De se sentir carente

Carência é o nome que damos a um momento da vida que não nos bastamos.
Queremos a companhia de outro ser de espécie igual, geralmente com características peculiares as nossas.
Sentimos falta da presença humana, essa que só a intimidade permite, e desejamos o olhar que aprova, o riso que enternece, a mão que afaga, a fala que contesta...
As vezes basta que saibamos que alguém existe em nosso pensar de igual forma que existimos no seu. Basta que caibamos nos seus interesses suaves e nas suas horas de paz. Basta que a existência tenha permitido o encontro e basta que o momento lhe roube a carência que nem de longe oferece o bem que ele ou ela lhe traz.

Nara C.

Diário de um ipê

Os dias aqui parecem menores, como se uma hora somasse um terço do tempo normal, próprio de 60 minutos.
Sinto isso desde o primeiro dia, quando as percepções ainda eram opacas e o espelho era reflexo do medo e despreparo.
Tenho medo dessa rapidez com que as horas passam, quero aproveitar de tudo e lamento que isso não me baste. Tenho pressentido a descompensa dos anos, sinto que vou envelhecer mais cedo e a idéia de olhar o registro fica cada dia menos atraente.
Não que isso tenha já em si, se tornado um fardo, mas o romper das horas em que sozinha me abasteço do mundo, das cores e do tempo, subtrai-se em mim a alegria dos que vão vivendo um minuto por vez, consumidos pelo êxtase e agonia de lhe estarem roubando a todo o tempo um bem precioso que jamais será compensado ou substituído.

Nara C.

Invólucro

Do que tenho medo?
Em parte penso que não sei. Mas acho que temo o excesso, o exagero, o absoluto que em toda sua proporção sempre pode prejudicar.
Tenho medo da dor. A que neutraliza, fere, mata. 
Temo o abandono, este seguido da dor.
Temo a escuridão sem companhia, porque esta assusta se se está só. 
Temo a insanidade, o dúbio e o nada, por que estes andam muito lado a lado e em todo caso desola a alma, causando a perda dos sentidos e o vazio completo.
Temo o descaminho, pois a estrada sempre me foi chave segura de prisões interiores e o caminhar, a razão certa nas decisões incertas.
Temo as perdas, estas que não se reparam, que não se consertam e nem se costuram, temo antes de tudo não adaptar-me a elas.
Temo o desconsolo, a tristeza mesmo no seu grau mais leve, pois esta vem a despertar minh´alma de seu sonnho perene de alegria.
Temo a mágoa, esta que se vira dos dois lados e tanto pode fazer-me quanto causar a vítima.
Temo o destempero que pode causar o pavor e virar reles cinza de um tocha incendiada de sandice.
Temo a decepção, a agonia que estampa os outdoors do ser e que não se desprega tão facilmente.
Temo a ilusão, pois ela apenas me acena de longe e eu não sei ao certo o que vai me propor, por isso mantenho-me de longe, temerosa de que depois de iludir-me venha a adquirir outras certas fobias.

Nara C.
Ipês, 27/2/11