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Ode ao imperfeito

Gosto do gosto amargo do café,
da televisão sem som,
do tapete gasto, desbotado e maltratado.

Gosto de gostar do incomum,
das peripécias que apronto com minha própria imagem,
rindo sóbria e desvairadamente
do que me distrai.

Sonho sempre com um jabuti morto à beira da estrada;
ele traja roupas de humano e carrega um saco de coisas velhas às costas.
O jabuti usa botas de borracha e sorri pra mim um riso amarelo, feio, murcho. Me aproximo, ele foge, volta a dormir o sono dos mortais; mesmo animal que não pensa, faz sua pausa para a morte e eu pauso do sonho para acordar no sono, livre do espanto, apenas rindo sóbria e desvairadamente do que me distrai.

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S.O.S Haiti



Uns e outros estão pagando a conta pelos pecados do mundo. O Haiti vive hoje o que o resto do mundo NÃO gostaria de viver: catástrofe, dor e desgraça na sua forma bruta. Específica. Descomunal.
Seria a fúria de Deus? Ou o troco da natureza revoltada contra o homem?
Não há resposta suficiente para a quantidade de perguntas. O mundo despreparado assiste seu próprio enterro. E o homem que se diz superior, limita-se a sua insignificante sabedoria ante o universo.
Que fazer diante de tamanho caos?
Tem-se solução para praticamente tudo, inventaram a chamada revolução para indicar progresso, ou em outras palavras: PODER.
Decifraram segredos e mistérios da natureza e conquistaram com isso grandes avanços em prol (pasmem) da própria inexistência humana.
Revolucionam tudo, inclusive o conceito de Deus que hoje é culpado pela fome, miséria e tragédias como essa.
Em meio ao caos o homo sapiens se esquece de sua origem e impotente reconhece o seu tamanho debaixo do céu.


***

Cá com meus botões


De três coisas a solidão me serviu:
do egoísmo sensato em que volto a pensar em mim,
da avaliação sóbria que faço do mundo (e amadureço)
e da escrita que ponho a parir a torto e a direito (mais torto que a direito).

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Janeiro

Já é Janeiro
mais um entre alguns
Janeiro que por ventura vim ao mundo
primeira parcela do tempo, do meu tempo...

Janeiro que eventualmente me orgulha,
que com alegria é esperado
e com graça admirado
pela pressa ou demora

Comemoro Janeiro com a felicidade de quem celebra
não só um novo tempo
mas a vida
as chegadas e partidas
e a graça oportunizada pelo novo ciclo

De glória coroo janeiro
pela dádiva de pertencer-lhe
e por assim ser, ter essa sede de principiar
pelo caminhos que me aguçam e apetecem
partindo sempre não com a pressa de quem jamais chega
mas com a demora de quem deseja ficar aqui e ali
desfrutando sempre do inicio
nunca do fim

E já que Janeiro representa começo
é bom lembrar que antigos amores
tiveram suas raízes aí neste Janeiro;
Antigos rostos e vozes que hoje me são gastos
pela memória do tempo
Marcaram cada Janeiro
que por ser um mês de entrada me presentou algumas vezes
com um novo amor ou paixão

Somam-se vinte e quatro os janeiros que conheci
Tive a sorte de contar de sobra os Janeiros
que de graça a vida me deu

Janeiros de cor de gaio,
Janeiros de minha vida.

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