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Caneta, papel e solidão,
peça matriz do quebra-cabeça "doloroso".
Escrevo logo esqueço...
embriago-me na ilusão de pertencer aos feitos de papel,
léu,
escarcéu.

Como pode sentir
felicidade
este ser que inconsolada lambe palavras e alucina?

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Panorama


Sempre que amanhece escuro me lembro do Paraná.
Não sei se por que a recordação ainda me é recente, mas o vento frio me leva sempre ao panorama daquele estado.
Um pinheiro envelhecido amanhece em minhas lembranças o frescor de um sorriso fincado na alma
e que lá deixei...
sob o céu do Paraná.

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Cara ou coroa?

Eu passava sempre por aquele lago dito "dos desejos" e parava à espera de um pensamento virtuoso para jogar uma moedinha e vibrar pelo tal pedido. E o pedido era sempre o mesmo, por mais que quisesse a memória só maquinava aquela imagem... o riso sereno e a pela macia... não tinha outra: desejava aquele ser! em pensamento pronunciava o seu nome e em seguida jogava a tal moeda no lago escuro e misterioso.
Ontem voltando da noite resolvi passar por lá, encostei-me na beiradinha do grande poço e por um segundo refleti as idas ali, todas despropositais claro, mas todas com o mesmo fim.
Excitei-me com a idéia de um novo pedido, algo diferente do comum... mas qual! como é difícil pensar em algo diferente do ser que se ama.
Pensei na bobagem de estar ali dando crédito à futilidade de um exagero. Resolvi tentar. A imagem nao me abandonava, hoje mais desbotada mas ainda excercendo o fascínio que estende ao mais sério risco contra o verdadeiro amor: o amor-próprio.
Pensei em mim, resolvi calcular as conquências do ocorrido e diferente das vezes que em silêncio pedi "quero ele", dessa vez fechei os olhos, respirei profundamente e em alto e bom som disse "quero ser feliz, com ou sem ele!"
Joguei a moeda, voltei para casa e em paz dormi com meu desejo realizado.

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Despedida

O ontem quitou sua parcela,
fechou sua conta
e - Adeus, até mais!
Fiquei com a esperança,
irmã do receio
que o ontem
esqueceu de levar.

Despeço-me pois deste agora,
fecho a porta,
vou embora
e pro futuro: - tem alguém aí?

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Sangria

Sangue representa vida. Mesmo ferida a vadia que prostitui suas emoções, sobe ao palco para proclamar sua estupidez, sua notável inferioridade. No fim do seu show, ela sai de cena para fazer o que de melhor sabe: se tranca no banheiro e se esmurra até sangrar!
Anestesiada não sente mais a dor de não ser, de não pertencer;
cai no chão arrependida, chora até não poder mais e adormece feito bicho na lama pôdre de sua vida.

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Vício

Veneno doce e letal,
domina minha sede,
castiga minha vontade
e de graça oferece o próprio antídoto.

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Origem

O repenique do triângulo avisa que a festa vai começar!
no esvoaçar das saias um presságio de que a noite vai ser longa. Chego mais cedo, não perco nenhum detalhe.
No canto um fogão de lenha e uma moringa já meio velha enfeita a sala abarrotada de simplicidade...
Aqueles quadros, aquelas saias... quanto paradoxo numa só cena.
Sento perto de um negro velho, que cansado acende um cigarro e balbucia qualquer coisa, aceno com a cabeça pra não encompridar estória. Ele quer prosear, está ali há muito tempo, desde a mocidade, diz.
Saio pro pátio.
O fogaréu esquenta os tamborins e promete animar ainda mais a noite. Chego pra perto e sinto a quentura espalhar pela minha face, sinto cheiro de carvão e penso em alguém, é por ele que estou ali.
A procura em vão somente me faz ter esperança de um passado perdido, sento no meio deles, deixo-me guiar pelo uivar da cantoria e fortalecida reconheço minha essência: é dali que venho e é pra onde vou.

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Reticência

AMOR: uma flor que murcha com o silêncio e se abre com um sorriso.

(Nara C.)

Ser urbano

Figuras que antes preenchiam o álbum de fotografias foram com o tempo perdendo a cor entre os postais da vida. Aquele rosto que antes causava encanto, hoje mais denota espanto ante o calendário esquecido do tempo.
Enruga-me a alma tamanha mutação, esperava encontrar as antigas fotos, enxugar o acaso com palavras prontas e montar a sequência de histórias com cenas de filme americano.
Não deu! perderam a cor as fotografias, murchou de tédio o vaso e a sua flor.
E o rosto antes nítido e vivaz, mudou de endereço... na minha memória não mora mais.

***

Sutil

Na minha meninice percorri campos de girrasóis, saltei escadas coloridas e enfrentei chuva e vento sobre duas rodas.
Eu era o tempo e como tal não existia ilusão melhor do que pintar o céu da minha cor preferida.
Tímida não conhecia a diferença entre o ser e o estar. Acreditava no agora e isso era tudo o que possuía.
Eu era o tempo e sobre duas pernas desafiei Deus e o mundo.

Nara C.

** Imagem: moça da bicicleta - ana moraes

Aprendiz

Meu coração é feito neve
exposto ao sol, derrete horrores
e em tempo frio sem alteração permanece sólido
Um tanto frio, um tanto informe... acumula poeira e neve, estação após estação.
Algumas vezes se isola do tempo e vazio prefere a própria companhia.
Cultivo-o como quem varre folhas ao vento... elas vão, elas voltam
assim como este coração que fadado à sorte se prepara sempre para um novo vôo.

Nara C.
Nov/09

Dia de refletir sobre escolhas!!



... e de aprender a calcular o tempo quando se fala em espera.
Ponderar é necessário, mas viver é preciso.

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Des(a)tino

Era uma noite chuvosa, destas com tempestade quando cheguei em Curitiba. O relógio passava das 22:00 e eu uma pilha de nervos não me continha de ansiedade pelo o que estava por vir.
Desci ao saguão do aeroporto me demorando mais que o de costume no desembarque da mala, de propósito para deixar a outra parte em ansiedade. Por fim desprendi o cabelo, dei um suspiro levemente aliviado e me dirigi à sala de espera onde a pessoa que me encontraria deveria estar.
Passei a vista por uma série de pessoas em sequência, sem reconhecer nenhuma e por um instante desacreditava encontrá-la quando do lado oposto surge um alguém acenando para mim.
Era ela! correspondi com um sorriso.
Veio ao meu encontro tão logo apontei na sala. Trajava uma roupa simples e tinha graça o seu andar...
Me esforcei para não deixar aflorar uma exclamação, era ela não tinha dúvidas, mas parecia tão mais jovem e menos alta do que imaginei.
Esses instantes de perpepção mais pareceram um insight que durou até ela se aproximar. Muito gentil me abraçou e o conforto do seu corpo, juntou-se ao cheiro do seu cabelo me proporcionando tamanho bem-estar que desse momento em diante nos tornamos cúmplices pelo resto da vida.


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Sorte

E o destino desafiador como é, teima em lançar-se contra o tempo feito faca de dois gumes; onde para o pescoço não há escapatória.

Nara C.
9/10/09

O outro lado do rio


Do outro lado do rio há um mistério que transpira encanto.
Há qualquer coisa indefinida, algo imperceptível que só ali se sente.
O rio que há anos me oferece companhia nas tardes frias e cinzentas é o mesmo que testemunha em vão, amores de outrora.
Rio bravo, valente e singelo.
Abriu-me a passagem de descoberta ao mundo, mostrou-me o outro lado, o desocnhecido... que hoje só tem me outorgado paz e serenidade.
No arfar das horas intactas saboreio o doce som que vem da balsa, esse flutuar de ócio acalma meu espírito, que encantado há muito fez sua entrega.

**
De repente tudo se calou
E ouviu-se um grito de mar
Eclodindo na calmaria
E fez-se um profundo pesar
Por se achar
Que se tratava de algo precioso
Não foste tu, nem era eu
Era o mar
Que pro fundo levou
O que de nós restou
De profundo.


Nara C.

Ipê florido



Os ipês floridos expressam em mim o vazio em forma de amor. O amor que inabita meus dias mas que presente está em mim, latejando poros abaixo, a tessitura do meu ser.
A vontade de prolongar essa sensação me é às vezes contraditória, desejo beber do pote, estancar a fonte, viver com igual plenitude a magia e o encanto. Mas logo vejo condicionais, barco a vela que me segue rio abaixo.
Como os ipês, o amor que em mim achou morada está florido. Encontra-se no seu ápice primaveril e floresce terna e despretenciosamente a cada manhã que decidida me ponho a pensar.

**
Eu hoje, cega de contentamento pus em desvelo meus sonhos
neles estavam teus passos
que ao meu desejo vinha de encontro
mas farta de amparo voltei a realidade
encontrei tua ausência
além do cheiro e outras coisas palpáveis
tive angústia, lembrei tua voz
e desejei o afago

Pra onde vão os meus sonhos?
de quem são os teus olhos?
até quando pertencerá ao céu
essa estrela que brilha em segredo?

Nara C.
18/9/09

Primavera mórbida

Eu só queria viver
O incolor da primavera
Nas minhas mãos
A quimera
Da menina que quisera
Vencer o sol
Pela janela

No perecer das caravelas
Que a tarde se atraca
Nos braços
De um porto
Qualquer
Morto
Poderia supor
que aquela não era
uma manhã de primavera

Nara C.
16/1/09


Dia de decidir/mudar o destino
dia de prestação de contas comigo mesma:
o yin ou yang?
o certo ou o errado?
o torto ou o direito?
lá ou aqui?
Dia de optar pelo claro
e o óbvio é ser feliz

**
Discórdia
quase encardida
é essa do meu ventre
alvitre
que espalha
sem ter chão
amor aos quatro cantos
do vento.

Nara C.

in memorian

Nos pés de cupu-açú
Jaz uma raiz de outono
Permeada de lembranças dele
Meu bom e saudoso avô

Rosas e margaridas
Risos e plantações
Era terno o romper das horas
Em que se via um velhinho
Plantando um pé de caju.

Nara C.

Frida



Sou Frida Khalo à espera de Diego Rivera, com o mesmo terno e (ás vezes) passivo amor.
Olho para as primaveras de minha vida e vejo um futuro florido, tudo tem muita cor; mas como Frida não pinto em quadros minha vivência. Me faltam pincéis.

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Crepúsculo


Ouço de longe o soluço
de uma saudade pétrea
Com imagens coloridas de um passado em preto e branco
Calor que se angustia e foge
pra longe do frio
foge.

Nara C.
A paixão é um dispositivo de auto destruição.
Me refiro aos desejos carnais obviamente; decerto que a paixão não seria de toda má, há sim o que se aproveite, mas na sua fórmula geral a paixão traz prejuízos incalculáveis ao coração.
Por outro lado viver requer sacrifícios e se doar é componente essencial disto.
Viver sem paixão seria o mesmo que inexistir. Alguém que não tem afeição pela vida vive mediocremente, sem motivação, sem alegria, sem a graça infinita de se sentir único.
Por muito tempo fiz de mim refém desse vício que embriaga e enlouquece. Priorizei ao meu modo juvenil o bem estar do meu corpo e assim esqueci que meu espírito precisava também se alimentar. Este desequilíbrio me levou por um tempo à uma falência emocional; mas depois me reconstitui, montei amiúde todos os pedaços que estavam soltos dentro de mim. Levei um tempo de fato, mas logo me senti melhor, lúcida de minha fraqueza, feliz por voltar à vida sã.
Não demorou pra que eu me perdesse outra vez, bastou uma semana pra saber que seria pra sempre, mas que este pra sempre acabaria como o outro.
Enamorei-me dos meus atos tão logo o outro elogiasse. Vedei os olhos de modo que só a ele conseguia enxergar.
No topor das horas insanas, criei subterfúgios para inalterar a origem daquilo que eu era. Mas a influência era tamanha que descrente pus-me a sodomizar a minha dor.
Perdi o brio, alcancei o que pra mim era inaceitável, me tornei a outra metade latente em mim.
E agora só, ironizo a vida que não me foi permitida viver. Desdenho dela e de tantas outras que se apresentam.
Relembro rostos e vozes que por vezes amanhecem perto de mim. Os encaro, tento os reconhecer, mas inútil é o meu esforço. Meu corpo está presente, minha alma não... e percorro feito tonta as salas vazias da minha imaginação; não encontro o que perdi, pois sequer sei se perdi.
Vivo de momentos subversivos: vou, não vou; quero, não quero...e no fim cumpro mordaz a minha pena, sob a custódia fiel da companheira solidão.

Voraz

Os girrasóis na janela
proferem coisas indizíveis
Suas petálas embora frágeis
Ferem o casulo da borborleta que viria a ser

Ventania espalha o fogo
adentra à alma a solidão
E eu corro sóbria de desespero
pelo descampado mastro que é o teu corpo

Nara C.

Estação



Uma flor já meio velha
Vê o jardim catatônico
Cambaleia para o precipício
Tão logo o verão chegue

Nara C.

Inquietude

Réstias de luz passeiam céleres
Entre o espaço que compreende teu olhar
E a parede do meu ser

Respiram saudade
Abraços,
Olhares,
Razão comprimida, ais!

Lampejos de acasos flutuam submersos
À mercê de lembranças
Um respirar sufocado
Um encontro atrasado

A urgência que juvenil exala
O hálito fresco
Do “quero mais”

Nara C.

Subserviência


Meu ser guarda mágoa da constante ignorância do que em mim vive.
Me pego a remoer um querer insólito, absurdo, fantasiante.
Dilata em coro um desejo insano de auto-mutilação.
Desconheço a origem da minha dor
Me faz falta o inconstante. Quero o ontem, quero o não-querer, o mal querer; qualquer querer menos este querer.

Nara C.